Bahia e Piauí lideram ranking de desmatamento

“Das árvores uma [1] parece digna de
notícia, da qual, ainda que outras
haja que distilam um líquido
semelhante á resina, util para remédio,
escorre um suco suavissimo, que
pretendem seja o balsamo (…) exala um
cheiro muito forte porém suavissimo e
é otimo para curar feridas,
de tal maneira que em pouco tempo
(como dizem ter-se por experiência
provado) nem mesmo sinal fica das cicatrizes”

Trecho da carta [2] escrita
pelo Padre José de Anchieta,
na qual descreve árvores
e animais da Mata Atlântica

 


O padre espanhol José de Anchieta foi enviado ao Brasil a serviço da Companhia de Jesus pelo governo de Portugal. O religioso, que ganhou o epiteto de “Apóstolo do Brasil” e foi beatificado pelo papa João Paulo II [3], escreveu a Carta de São Vicente, descrevendo a fauna e a flora da Mata Atlântica.

Na época em que atendeu o pedido de seus superiores, o bioma ocupava cerca de 1,1 milhão de quilômetros quadrados, onde viviam milhares de indígenas. Na área antes ocupada se concentram hoje cerca de dois terços da população brasileira.

A ocupação desordenada, segundo o Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, resultou na devastação de mais de 90% da floresta. Isso torna a proteção de seus remanescentes prioridade ambiental em termos planetários.

A carta de Anchieta, primeira referência ao bioma, foi escrita no dia 27 de maio. Por isso, nesta data se comemora o Dia da Mata Atlântica, considerada Patrimônio Nacional a partir da Constituição de 1988.

A importância da preservação, incluindo os encraves do Nordeste, foi transformada na Lei 11.428 pelo governo federal, em 2006. No entanto, apesar de ser prevista a prisão de um a três anos e multa para desmatadores, a supressão de vegetação continua.

Levantamento conjunto feito pelo Mapbiomas, rede colaborativa formada por ONGs, universidades e startups, e pela organização não governamental SOS Mata Atlântica, divulgado no último dia 20, revela que o deflorestamento diminuiu na parte contínua do bioma, mas teve um grande aumento em áreas de transição e em fragmentos isolados.

“É importante entender que, no passado distante, o Brasil era coberto por uma imensa floresta tropical. Ela foi se dividindo a partir das glaciações e mudanças no clima, mas, nesse processo, restaram o que podemos chamar de ‘ilhas’ de vegetação típica da Mata Atlântica dentro de outros biomas, os encraves”, explica o diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Luís Fernando Guedes Pinto.

O Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) da Mata Atlântica rastreia desflorestamentos em áreas a partir de 0,3 hectares. Ele demonstra que a supressão saltou de 74.556 para 81.356. Um acréscimo de 109%. Isso equivale a mais de 200 campos de futebol desmatados por dia, de acordo com a SOS Mata Atlântica.

Desmatamento na divisa entre Formosa do Rio Preto (BA) e Sebastião Barros (PI). Foto: Thomas Bauer/SOS Mata Atlântica

O SAD identificou um aumento considerável do desflorestamento nos encraves no Cerrado e na Caatinga ano passado em relação a 2022, principalmente na Bahia (de 29.956 para 36.842 hectares) e no Piauí (de 8.222 para 17.997 hectares).

Houve ainda ampliação nos estados de Alagoas (de 301 para 418 hectares), Ceará (de 927 para 2.242 hectares), Mato Grosso do Sul (de 2751 para 4022 hectares), Paraíba (de 90 para 11 hectares), Pernambuco (de 663 para 694 hectares) e Rio Grande do Norte (de 32 para 140 hectares).

Além disso, apesar da redução de 26% (de 19.189 para 14.176 hectares), Minas Gerais foi o terceiro colocado em números absolutos de desmatamento.

A maioria dos crimes ambientais ocorreram em áreas onde há expansão agrícola. O que demonstra não haver fiscalização nem punição para os desmatadores pelo governo federal, principalmente no Nordeste.

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Para ler o relatório completo da SOS Mata Atlântica, clique aqui

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Notas de pé de página

[1] Descrição da copaíba, árvore que possui 28 espécies catalogadas, das quais 16 são endêmicas do Brasil, principalmente no bioma amazônico e no Cerrado.

[2]  O trecho da carta mantém a caligrafia da época. Ela foi republicada na íntegra pelo Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, em 1997.

[3]  Em 22 de junho de 1980, o padre José de Anchieta (1534-1597) foi beatificado após em um processo que teria começado, após relatos de milagres em São Paulo em 1597.

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Legenda da foto principal: Desmatamento em Parnagué, Piauí. Foto: Thomas Bauer/SOS Mata Atlântica

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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