A 42ª Romaria da Terra e das Águas, realizada em Bom Jesus da Lapa, a 779 quilômetros de Salvador, atrai todos os anos milhares de romeiros. Este ano o tema foi ““Terra, Água e Justiça: Direitos Sagrados”. O fotógrafo Severino Silva, parceiro de Meus Sertões, participou do evento, entre os dias 5 e 7 de julho, e produziu as fotos que fazem parte, a partir de hoje, da seção Galeria, na primeira página do site.
A exposição que mostra o engajamento e a fé de que é possível reverter o triste quadro imposto pelos governantes atuais, substitui “Juazeiro do Padim”, também de Severino, repórter fotográfico que percorre o sertão registrando luzes e sombras da religiosidade nordestina.
Na missa de abertura da romaria de Bom Jesus da Lapa, o bispo dom João Santos Cardoso ressaltou que os direitos sagrados à terra, à água e à justiça vêm sendo negados ao povo:
“Terra é uma questão de direito. É a promessa de Deus a Abrahão. Não há pobreza maior do que privar a pessoa humana da dignidade de trabalhar e tirar o sustento do seu próprio suor” – disse.
Milhares de pessoas de diferentes estados e um grupo de Graz (Áustria) estiveram na gruta da Lapa, “feita com as mãos de Deus” para trocar experiência e se comprometer a lutar pelos direitos do povo. De Minas Gerais, vieram romeiros a cavalo, em viagem de oito dias até o santuário de Bom Jesus.
Os participantes avaliaram que o povo brasileiro está entregue ao jogo inescrupuloso do capital especulativo e financeiro, refém de nova e mais perversa forma de colonização, que incluiu a retirada de direitos historicamente conquistados, desmonte da previdência social, precarização de políticas públicas de educação, saúde, meio ambiente, convivência com biomas. Tudo isto submetido a uma promessa de resultado meramente econômico imediato.
Nesse contexto, as tragédias se sucedem, incluindo os crimes ambientais e assassinatos em Mariana e Brumadinho (MG), conflitos por terra e água gerados pelas empresas do agro-hidronegócio, projetos de energias e empresas de mineração, envenenamento das águas e das populações – um em cada quatro municípios brasileiros têm água contaminada por agrotóxicos.
Outras questões preocupantes são a retirada de investimentos das áreas de educação e saúde, a elevação do desemprego e aumento de pessoas com depressão e aumento do número de suicídios.
Os organizadores do evento, no entanto, têm esperança de que estão situação será alterada pelo direito e pela justiça, à luz da Palavra de Deus e do testemunho de nossos mártires. Em função disto, elaboraram documento em que lista compromissos em cinco áreas. O resumo delas está abaixo.
Terra e Território: Direito do povo e dever do Estado – A conjuntura atual está marcada pelo acirramento dos conflitos agrários. Está em curso um projeto de governo que visa retirada de direitos territoriais, revogação de políticas públicas, supressão de barreiras ambientais e criminalização das lideranças e movimentos sociais, principalmente os de luta por terra e território. Refletimos sobre a postura do Estado e nos indignamos com os casos de violência contra as comunidades em seus territórios. Diante deste quadro, decidimos fortalecer as lutas e resistências com trabalho de base, articulação, mobilização e organização das comunidades locais. E desenvolver mais práticas sustentáveis que contribuam com o Bem Viver dos povos e comunidades tradicionais do campo, das florestas, das águas e da cidade.
Fé e Política: Políticas Públicas – nenhum direito a menos – À luz da Doutrina Social da Igreja, o compromisso cristão é ser sal e luz no mundo. Com base no tema da Campanha da Fraternidade de 2019 – Fraternidade e Políticas Públicas –, resgatamos o compromisso de participação, organização, mobilização e formação social. Fazendo análise dos cenários global, nacional e regional, constatamos que para barrar o desmonte do Estado Social conquistado com a Constituição de 1988, é necessário intensificar a luta de forma organizada. Neste contexto, promover a evangelização nas dimensões da formação eclesial das comunidades e na promoção da justiça social, resgatando as Igrejas como “comunidades de comunidades” (Documento 100 da CNBB). A transformação rumo a uma sociedade justa é um processo contínuo que exige profundas mudanças culturais e participação de todos. Para a ampliação e fortalecimento da democracia, vamos favorecer o diálogo para a organização, formação e mobilização das comunidades na base, na luta e para a luta.
Rio São Francisco e outras bacias: “Brumadinho pergunta: Quem manda na bacia do São Francisco?” – A mística retratando o crime ambiental de Brumadinho – MG, seguida de depoimento sobre o crime e os impactos nas vidas atingidas, deram o tom da resposta a esta questão, imposta pelos crescentes conflitos entre o avanço da mineração empresarial e a vida. Situação recorrente na Bahia: barragens de rejeitos da Mirabela, no Rio de Contas; da Bahia Mineração, em Guanambi; da Galvani/Iara, em Campo Alegre de Lourdes.
Nos Rios Paraguaçu e Pardo, além do São Francisco, o assoreamento pelo agronegócio, sobretudo. De positivo a retomada da Articulação Popular São Francisco Vivo, compromisso do ano passado. Urge resistir à imposição atual do extrativismo minerário, impedindo novas barragens de rejeitos, em vista de outro modelo de mineração com soberania popular; exigir das autoridades o reconhecimento de que a lama criminosa da Vale já contamina o São Francisco e as medidas cabíveis de direito da população ribeirinha atingida; e avançar na organização e articulação em defesa das Bacias de nossos rios.
Crianças: Toda criança tem o direito de ser feliz – Com a participação de 70 crianças e outras 100 pessoas, a reflexão foi inspirada na vivência do Projeto Cata-Ventos da Diocese de Barreiras, dialogada com o Estatuto da Criança e do Adolescente – direitos e deveres. A metodologia utilizada favoreceu que as crianças revelassem a sua percepção sobre o desrespeito aos seus direitos, maus tratos e violência. O compromisso é de continuar na luta para que todas as crianças e adolescentes tenham seus direitos assegurados: educação, alimentação, moradia e saúde.
Juventude – Juventudes e Políticas Públicas: “Ninguém solta a mão de ninguém” – Com presença de 450 jovens de suas diversas pastorais, discutiu-se o tema em três rodas de conversa com os subtemas das Políticas Públicas para a juventude, de combate ao suicídio de jovens e de meio ambiente. A conclusão é de que estas políticas estão estagnadas, não existem. Compromisso firmado: discutir sobre as políticas públicas e os direitos sociais nas bases, politizando-as.
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Paraibano, foi morar no Rio de Janeiro ainda criança. Severino Silva aprendeu a fotografar no jornal O Globo, onde foi contínuo. Passou por cinco redações e é considerado um dos três melhores fotógrafos do Brasil na cobertura de conflitos urbanos. Ganhou vários prêmio nacionais de fotografia.