Corpo de baile

A Feira de Saberes e Sabores da Juventude do Campo foi realizada na segunda quinzena de janeiro, em Caruaru (PE), paralelamente à 8ª Assembleia da Pastoral da Juventude Rural (PJR). Lá, reuniram-se centenas de jovens do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), das comunidades de fundo e fecho de pasto, Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), Movimento dos Pequenos Agricultores (MAP) e jovens dos Gerais e das comunidades quilombolas.

Neste espaço está estabelecido o assentamento Normandia, símbolo de resistência e luta dos trabalhadores rurais em Pernambuco. A fazenda de 569 hectares foi ocupada em 1993 por 173 famílias de integrantes do MST. E após quatro ordens de despejo, cinco ocupações, plantações queimadas e barracos derrubados, foi necessária uma greve de fome, as terras foram desapropriadas para fim de reforma agrária em 1997.

Hoje, vivem no assentamento 40 famílias, que vivem da produção de batata doce, macaxeira, milho, feijão e da criação de animais. Lá funcionam a antiga casa da fazenda, o Centro de Formação Paulo Freire – local de formação política de militantes do MST e de outras organizações de Pernambuco e do Nordeste, área social e a reserva ambiental.

No assentamento, a antropóloga venezuelana Fanny Longa Romero, pesquisadora de comunidades tradicionais, me pediu para fazer um ensaio fotográfico sobre a Estética Corporal dos Povos Negros, com jovens de comunidades da Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Norte

O ensaio foi feito em um espaço místico que requer contextualização histórica.

O assentamento Normandia era propriedade de um dos principais senhores de escravos de Pernambuco. A casa grande permanece intacta e as antigas senzalas foram transformadas em escolas e espaço de formação. Percebi que paira tortura e dor ainda pairam no ar.

A produção das fotos ocorreu ao redor da casa e durante as danças de Coco, realizadas no centro de formação, que já foi uma senzala. Para enfatizar este momento místico e forte descrevi o que senti neste momento em que fazia as fotografias.

Liberdade

No momento em que os corpos dançavam, éramos uma cor que a história tinha esquecido. Era um ecoar de um som, um grito e um olhar de dor que bailavam juntos com a contorção dos corpos.

Ao lado de uma fotografia, em uma pequena mesa rústica, uma imagem de um santo preto, envolvido em um brilho que alumiava as senzalas impregnadas no nosso ser. Era o resquício da história.

A Casa Grande continua assombrando, enquanto os passos silenciosos na noite escura ditavam o ritmo lento de uma música triste. Ao mesmo tempo, a liberdade vinha do canto, da dança, da ginga, da mandinga.

Cada passo parecia uma estação da Via Sacra. Rezávamos com grunhidos de dores sem fim. Eram as botas dos feitores que pisam meu corpo, meu rosto.

Era meu corpo de baile, cuja dança me fazia ver o clarão da liberdade.

Era o canto do poeta dos escravizados, abrindo os caminhos da liberdade que nunca houve. Mas também era a poesia do negro:

“Lá na úmida senzala/ Sentado na estreita sala/ Junto ao braseiro, no chão/ Entoa o escravo o seu canto/ E ao cantar/ Correm-lhe em pranto/ Saudades do seu torrão”…

Era a fuga de um corpo cansado, a fuga cantada, lamentada, esquecida. E nós éramos uma cor chicoteada ao abraçar o tronco.

Éramos corpos que atravessaram os oceanos nos sujos porões de navios negreiros – os que tiveram sorte de atravessar.

Era um corpo sem alma – assim pensavam – que celebrava na senzala, com seus santos pretos de nomes mistificados, se escondendo da fúria branca de botas.

O COCO

A dança de coco é um ritmo típico nordestino. Três estados são citados como sua origem:  Pernambuco, Alagoas e Paraíba.

Coco significa cabeça. A dança prevê a inclinação da cabeça e o corpo marcando o ritmo batendo os pés no chão.

A dança faz parte da cultura popular do Nordeste, de forma especial para as comunidades quilombolas.

Existe seis variações de coco: pagode zambê, coco de usina, coco de roda, coco de embolada, coco de praia, coco do sertão e coco de umbigada.

Existe a versão que o surgimento do coco se deu pela necessidade de concluir o piso das casas no interior, que antigamente era feito de barro. Contam também que a dança teria surgido nos engenhos ou nas comunidades de catadores de coco.

Carta da assembleia da PJR

WordPress Gallery Plugin

Nascido em Teixeira de Freitas (BA), Joabes R Casaldáliga, aos 10 anos, participava das reuniões das Comunidades Eclesiais de Base. Era levado pela mãe, adepta de religião de matriz africana, que ia aos encontros para discutir os problemas da comunidade em que moravam, em Itamaraju. Cresceu entre o sincretismo, cantos, rezas, benditos, incelenças e a luta pela reforma agrária. Sua vida foi marcada por um encontro com José Comblin, padre que lançou as bases da Teoria da Enxada. É fotógrafo, comunicador popular e integrante da Pastoral da Juventude Rural.

follow me
Compartilhe esta publicação:
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Email

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sites parceiros
Destaques