Desembargadora mantém decisão de juiz de primeira instância e nega liminar para médico latifundiário
Paulo Oliveira, do Meus Sertões, e Thomas Bauer, H-3000/CPT-BA
Vinte e dois dias depois de ter o pedido de liminar indeferido pelo juiz Matheus Agenor Alves Santos, da 1º Vara dos Feitos Relativos às Relações de Consumo, Cíveis, Comerciais de Correntina (BA), o latifundiário Leandro Celso Grilo, sócio-administrador da Agropecuária Vereda do Rancho, sofreu a segunda derrota consecutiva na justiça. É que o recurso (agravo de instrumento) que impetrou no Tribunal de Justiça da Bahia, visando reverter a decisão do magistrado de primeira instância, também foi negado pela desembargadora Maria de Lourdes Pinho Medauar, da Primeira Câmara Cível, no dia 14 de abril deste ano.
Leandro Grilo, que também atua como médico e empresário em São Paulo e outros quatro estados (BA, MG, MS e TO), se diz proprietário de uma área, utilizada há mais de um século pela comunidade tradicional de fecho de pasto de Catolés. Diante disso, o latifundiário proibiu os fecheiros, que sobrevivem graças a pequenas criações de gado, de soltarem os animais no local na época da seca. Tradicionalmente, no período de estiagem, os bois e vacas são levados para áreas de vegetação nativa preservada e lá permanecem até que o capim das pequenas propriedades volte a crescer.
Na tentativa de impedir a presença dos integrantes da comunidade, Grilo ajuizou ação de interdito proibitório e solicitou liminar para a concessão de pena pecuniária diária de R$ 5 mil reais, caso os fecheiros não cumprissem a proibição. Ele ainda alegou que oito agricultores e pequenos criadores de animais ameaçaram invadir a fazenda que diz lhe pertencer, assim como ele próprio e seus funcionários. Em ambas decisões, não foram apresentadas provas suficientes de posse ou que haveria risco de turbação e/ou esbulho.
No recurso impetrado, Grilo repetiu que é o proprietário da área de 5.091 hectares e que possuía a melhor posse do local em litígio. Por fim, pleiteou a reforma da decisão do juiz de Correntina. A desembargadora indeferiu o recurso:
“Após detida análise dos autos, não verifico a existência de elementos que possam desautorizar a conclusão vertida na respeitável decisão hostilizada” – afirmou.
Em seguida, elencou os motivos:
1 – Não há ameaça atual sobre o exercício possessório, pois desde que a ação foi ajuizada em 2019, os fecheiros já estavam na localidade e exerciam posse pretérita para a solta de gado que é realizada anualmente.
2 – Mesmo que a área em litígio tenha sido adquirida em 2018 pelo latifundiário, os réus já utilizavam o local há muito mais tempo para a solta de animais.
3 – As alegações de Grilo não foram confirmadas por provas constante dos autos, “mostrando-se acertado o indeferimento do pedido liminar”.
4 – Em vista das circunstâncias dos autos, a desembargadora conclui que a matéria deverá ser melhor apreciada pelo magistrado de primeiro grau, que está próximo da situação e poderá, a seu juízo, principiar diligências no sentido de determinar a verdade processual.
Diante disso, a desembargadora Maria de Lourdes Pinho Medauar afirmou que “o agravante não logro êxito em comprovar que exercia a posse sobre o bem a fazer jus à proteção possessória pretendida” e que a decisão do juiz de primeira instância está correta. Sendo assim, “nega-se o efeito suspensivo requerido, mantendo-se a decisão agravada em todos os seus termos.
A advogada Liliane Campos, defensora dos integrantes do Fecho Catolés, já apresentou a contestação para que o mérito da ação seja julgado. Ela reuniu documentos que comprovam fragilidades testemunhais e documentais apresentadas por Grilo, certidões que levantam suspeitas sobre a negociação das terras em litígio e de que a posse do local pertence aos fecheiros e é reconhecida pela Secretaria de Promoção da Igualdade Racial da Bahia.
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Matéria produzida em parceria com a Comissão Pastoral da Terra-BA
Legenda da foto principal: Área de nascentes no fecho de pasto de Catolés. Foto: Thomas Bauer – H3000/CPT-BA
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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.