O afoxé dos caboclinhos

Antônio Jaime Rodrigues dos Santos Neto, o Pai Jaiminho, assumiu o terreiro de Mãe Fia de Oxum em situação de emergência. A sacerdotisa estava doente e resolveu transformar o afilhado em babalaxé [1].

Normalmente, o principal cargo de candomblé só é obtido por pessoas com mais de sete anos de feitura no santo. Jaiminho tinha três. Ele recebeu a missão no dia 8 de fevereiro de 2015. Passados 40 dias, Fia morreu com 90 anos.

A roça Nilza Pereira de Souza, a Fia, foi construída no Alto do Hospital, em São Félix, na década de 1950. As atividades começaram com o giro do caboclo Boiadeiro. O quarto do santo era onde hoje funciona a cozinha. A sessão ocorria na atual sala de jantar. Jaiminho começou a frequentar o local aos sete anos. Fazia pequenos favores, como amarrar bodes e cabras. Depois, passava mais tempo ali do que na própria casa. E acabou ganhando a confiança da madrinha, que o batizou na igreja católica.

O vigilante da Santa Casa de Misericórdia de Salvador, filho de Oxóssi, não só recebeu o comando da roça, como também passou a ser responsável pelo afoxé Omim-Ladé (Água Fresca), criado por Mãe Fia há 69 anos. A ideia surgiu após ela vestir o filho biológico como um indígena e desfilar com ele no cortejo de Dois de Julho. Ela mesmo confeccionou a roupa do garoto, utilizando penas de aves. Segundo, Jaiminho a ideia da mãe de santo era celebrar os caboclos e manter as crianças da comunidade longe de más companhias.

Jaiminho e as crianças no terreiro. Foto: Paulo Oliveira

Ela mesmo confeccionava a roupa das crianças com penas de aves (galinha, galo branco, pombo, cocá e peru) das próprias obrigações. Mãe Fia fazia questão de ensinar músicas e ensaiá-las com os “curumins”, que também eram apresentadas na festa de Cosme e Damião, no dia 27 de setembro, ao som de atabaques:

“Adeus Ceci/Eu vou me embora para Aruanda/ Sou filho da cobra verde/ Neto da cobra caiana” – cantarola o babalorixá.

Quando precisava de dinheiro para o afoxé, a também rezadeira, bordadeira e charuteira da fábrica Leite & Alves, em Cachoeira, tirava do próprio bolso.

Pai Jaiminho faz o que pode para manter a tradição. É ele, por exemplo, quem confecciona as vestimentas, usando o mesmo método de Fia em umas e produzindo outras com plumas coloridas. As dificuldades, no entanto, são muitas. Por trabalhar em Salvador e só ir a São Félix a cada 15 dias, não há mais ensaios, nem aulas de música. Há problemas adicionais como o veto de pais evangélicos; a desistência dos adolescentes, que ficam envergonhados de desfilar entre os pequeninos; e a falta de apoio financeiro. A prefeitura de São Félix dá uma ajuda de custo para o afoxé desfilar à frente da Cabocla Catarina Paraguaçu. Ano passado, a contribuição foi de R$ 2 mil.

Afoxé desfila no cortejo da Cabocla. Foto: Paulo Oliveira

Cláudio Seedorf dos Santos, 13 anos, Kemelly Rocha de Jesus, 11, e Geovanna Gomes Rodrigues Santos, 12, estavam entre as crianças que participaram do cortejo no último domingo. Os três disseram que se sentiam representados pela cabocla e que se sentem em paz ao desfilar no afoxé. Kemelly, cujo nome é uma homenagem a uma cantora gospel baiana, era a mais animada.

–*–*–

Nota de rodapé

[1] O mesmo que babalorixá. O zelador do axé (energia, poder) do terreiro

–*–*–

Leia mais

Galeria de fotos do cortejo em São Félix

Os segredos da Cabocla

A varanda nagô de Pai Siri

Cultura luta contra o marasmo

 

 

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

follow me
Compartilhe esta publicação:
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Email

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sites parceiros
Destaques