Thomas Bauer (CPT-BA/H3000) e Paulo Oliveira (Meus Sertões)
A família de Antônio Marcos dos Santos se estabeleceu na Serra da Bicuda, em Sento-Sé, há 190 anos, em terras que ele garante terem sido adquiridas por seu bisavô. Ele lembra que os pais moravam na beira do rio São Francisco e os animais que criavam – bois, vacas, ovelhas e bodes – gostavam de ir comer na caatinga. A vida ao ar livre, despoluída, dava gosto.
Há dois anos, porém, a situação mudou. O barulho da mineradora dia e noite, poeira, poluição. Um pozinho fino, segundo Antônio, que vai entranhando em tudo:
“É na casa, na roupa, na garganta, além de fazer o pulmão velho se debater pra funcionar” – diz com voz rouca, entre uma tossida e outra.
Pouco tempo depois da Tombador Iron começar a se instalar, Antônio ouviu dizer que a poluição estava chegando. Um dia, ao sair de casa, sentiu as costas pinicando. Ele voltou para casa e tomou outro banho.
Foi aí que o trabalhador rural tomou uma decisão radical: montar acampamento em cima da cama e dormir dentro de uma barraca para não se sufocar com a poeira durante a noite.
A iniciativa não resolveu totalmente o problema. Além do acampamento improvisado, ele tem que usar máscara constantemente. Mas basta esquecer de colocá-la para a saúde ficar debilitada.
“Fui para Sento-Sé de moto, sem cobrir o rosto. No caminho de ida e volta foi só poeirada levantada pelas carretas. Aí minha garganta ficou lascada” – disse.
Para se ter uma ideia do movimento dos veículos, a mineradora anunciou em seu relatório trimestral (abril a junho de 2022) que comercializou 317 mil toneladas métricas úmidas (wmt na sigla em inglês).
Isso equivale a 317 milhões de quilos, sendo que 90 milhões foram para a Ásia. Só para transportar o carregamento asiático são necessárias 3.000 carretas. Alinhadas, elas formariam uma fila de 77,1 quilômetros.
Além disso, a empresa transnacional vendeu 194 milhões de quilos de minério este ano para as duas maiores siderúrgicas que atuam no Brasil, a Usiminas, maior complexo siderúrgico de aços planos da América Latina, cujos principais acionistas são a Nippon Usiminas Co. Ltd. (29,45%), Ternium/Tenaris (27,66%), Previdência Usiminas (6,75%) – grupo de controle; e a Arcelor Mittal, conglomerado industrial de empresas de aço com sede em Luxemburgo e maior produtora de aço do mundo.
Apesar disso, Antônio é pessimista com relação ao futuro das comunidades tradicionais, pois até hoje não viu melhorias. Ele considera que a destruição da região também é responsabilidade da prefeita Ana Passos (PSD), que não toma ao menos providências simples como asfaltar a estrada por onde trafegam as carretas.
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(*) Reportagem feita em parceria com a Comissão Pastoral da Terra (CPT-BA)
Legenda da foto principal: Antônio Marcos dorme em uma barraca de acampar montada na própria cama para se proteger da poeira da mineradora. Foto: @Thomas Bauer
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Thomas Bauer nasceu em Vorarlberg, Áustria. Formado em construção de barcos, mudou a área de atuação ao participar da Academia Social Católica em Viena. Participou ainda do serviço civil na Paróquia de Frastanz e cursou filosofia no Rio de Janeiro. Desde 1996 no Brasil, atua na Comissão Pastoral da Terra (CPT-Bahia) como fotógrafo, filmmaker e contador de histórias.