A lei fracassou?

Série de reportagem sobre educação mostra os rumos de projeto aprovado
pelo Congresso e sancionado pelo governo federal há 20 anos

Paulo Oliveira e Cleidiana Ramos

No nono dia de seu primeiro mandato, em 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei 10.639, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira em escolas, públicas e particulares, em segmentos da educação básica (fundamental e médio). O ato foi celebrado como uma conquista dos movimentos negros, que sempre viram a educação como um setor estratégico para superar a desigualdade racial e para a luta contra o racismo.

Dezesseis anos depois, em 2019, Martys Chagas, secretário nacional de combate ao racismo do Partido dos Trabalhadores, declarou que ainda esperava a implantação efetiva da lei, acrescentando que o governo de Jair Bolsonaro, que estava iniciando, não tinha nenhum compromisso com o combate ao racismo [1].

“Estamos num Estado institucionalmente racista, que não permite que temas como esses sejam absorvidos de maneira integral pela população e pelo próprio sistema educacional, nós acreditamos que esse avanço tem que perdurar para além das pessoas que individualmente implementam a lei em suas escolas, em seus locais de trabalho.”

Ele também alertou para a necessidade de os poderes públicos federal, estadual e municipal incorporarem e fazerem valer a lei.

No mesmo ano, a mestranda em educação Elisangela Mariano Costa e a doutora em história Jaqueline Aparecida Zarbato apresentaram o resultado de uma pesquisa de mestrado, desenvolvido na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) sobre como estavam sendo feitas as abordagens sobre relações étnicas e raciais nos anos iniciais do ensino fundamental e médio.

No texto “Lei 10.639/03: 16 anos após sua implementação, uma análise da problemática acerca de sua efetividade, baseada em pesquisas publicadas”, elas afirmam que “ainda existe uma série de ideologias segregacionistas presentes no cotidiano escolar”.

Mais adiante atestam:

“Preliminarmente os resultados dos estudos nos demonstram que a efetividade da Lei (…) ainda não ecoa no âmbito escolar de forma a transversalizar ações que reconheçam a importância da ‘História e Cultura Afro-Brasileira e Africana’, reduzindo o preconceito racial no contexto social”.

E hoje, depois de Lula iniciar o terceiro mandato, 20 anos após ele ter sancionado a lei, como está o ensino de história da África e cultura afro-brasileira nas escolas? Para responder a essa pergunta, Meus Sertões passou os últimos três meses apurando como se dá o ensino dessas temáticas, particularmente, nas escolas de ensino fundamental de Salvador.

A legislação determina que o conteúdo seja aplicado nas três esferas de governo e em todas escolas públicas e particulares. A decisão de focar na rede municipal tem a ver com dois fatores: Salvador foi a primeira capital a implementar a lei, mesmo assim com dois anos de atraso (2005), e porque os ciclos fundamental I e II concentram a maior quantidade de alunos, portanto as políticas e práticas estimuladas e adotadas pelas prefeituras atingem o maior universo de estudantes.

 

Alunos do professor Lázaro Santana apresentam a peça “Depois do Navio Negreiro”. Foto: Arquivo pessoal

Durante a série que será publicada de hoje até o dia 10 de dezembro, mostraremos:

1 – O histórico da luta do movimento negro até a sanção da lei.

2 – Os vetos feitos pelo governo federal ao texto original.

3 – As experiências de escolas em terreiros de candomblé e em blocos afros – uma delas transformada em referência para a implantação da legislação.

4 – As mudanças estruturais na secretaria municipal de educação.

5 – As dificuldades enfrentadas, incluindo o preconceito religioso, o critério atual de contratação de professores temporários, a concentração de atividades em um único mês em vez do ano todo, a falta de apoio dos governos, dentre outros.

6 – As iniciativas bem-sucedidas, na maioria das vezes, fruto de esforços individuais de professores.

Além disso, a cada capítulo será publicada a seção “Yabás em movimento”, no qual apresentaremos o perfil de educadoras fundamentais para o desenvolvimento de programas pedagógicos e de formas inovadoras para combater o racismo através da educação de qualidade para crianças, adolescentes e jovens.

Na mesma seção, mostraremos os itans (relatos míticos da cultura iorubá) usados para a difusão de conhecimento. A historiadora, professora e pesquisadora Vanda Machado, responsável pela criação do projeto pedagógico Irê Ayó (Caminho da Alegria, em iorubá), ensinará como utilizá-los.

Ao final da série, cada leitor poderá responder a primeira pergunta feita por nossos mentores quando apresentamos a pauta para concorrer ao 5º Edital de Educação, realizado pela Associação de Jornalista de Educação (Jeduca) e Fundação Itaú: “A lei fracassou?”.

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Nota de rodapé

[1]  Em “Há 16 anos Lula sancionou Lei que colocou a História Afro-brasileira nas escolas”. Consultado em 15/10/2023

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Legenda da foto principal: Cartaz de aluno da escola Escola Municipal Maria Dolores, no bairro Beiru, sobre legislação de 1837, que proibia escravizados e pretos africanos livres ou libertos de estudarem em escolas públicas. Foto: Olga Leiria

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A pauta desta série de reportagens foi selecionada pelo 5º Edital de Jornalismo de Educação, uma iniciativa da Jeduca e Fundação Itaú.

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Créditos

Edição: Paulo Oliveira. Reportagens: Cleidiana Ramos e Paulo Oliveira. Fotos: Arquivos pessoais dos professores Lázaro Santana, Conceição Rodrigues e Vanda Machado; Cleidiana Ramos; Claudio Rodofo, Olga Leiria e Paulo Oliveira. Revisão: Kleber Leal. Arte: Cleidiana Ramos e Kleber Leal. Vídeos: Cleidiana Ramos e Paulo Oliveira

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Leia a série completa

PARTE I

A lei fracassou?  As estratégias dos movimentos negros O protagonismo dos terreiros e dos blocos afro Yabás em movimento As yabás I - Mãe Hildelice dos Santos

PARTE II

A escola do portão verde As yabás II – Ana Célia da Silva A hora da verdade O longo e desgastante trâmite no Congresso

PARTE III

Assuntos sobre negros importam A resistência de Lázaro Formação continuada na Uneb Escola reflete filosofia africana As yabás III – Vanda Machado O projeto pedagógico Yrê Aió

PARTE IV – FINAL

'Nenhum secretário teve a temática racial como prioridade' O silêncio absurdo de Thiago Remando contra a maré Pesquisa mostra a realidade brasileira Olívia e os novos desafios As yabás IV - Jacilene Nascimento

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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