Fundadora e ex-coordenadora do Núcleo de Políticas Educacionais das Relações Étnico-Raciais (Nuper) analisa o processo de implantação da lei 10.639 na rede municipal de Salvador
Paulo Oliveira
Eliane Boa Morte, 62 anos, foi aprovada no primeiro concurso para coordenadores pedagógicos de Salvador, em 2005, durante a gestão da então secretária municipal de Educação, Olívia Santana. Após a saída da gestora, no ano seguinte, ela apresentou a proposta de criação do Núcleo de Políticas Educacionais das Relações Étnico-Raciais (Nuper), rejeitada pelo secretário Ney Campello. O Núcleo só foi constituído em 2008.
Após passar um período à disposição da Superintendência de Políticas para as Mulheres, a professora voltou à Smed e retomou as discussões sobre as temáticas relacionadas à lei 10.639. Em 2012, ela assumiu a coordenação do Nuper, onde permaneceu até abril deste ano.
Em entrevista para Meus Sertões, a doutora em educação (Universidade Federal da Bahia -UFBA) e mestre em história da África, da diáspora e dos povos indígenas (Universidade Federal do Recôncavo Baiano – UFRB), fala sobre as atuais discussões feitas pelo Nuper; relata dificuldades existentes até hoje para o cumprimento da legislação que tornou obrigatório o ensino de história da África e cultura afro-brasileira nas escolas; destaca a importância da análise rigorosa de conteúdo, aparentemente antirracista, de muitos livros didáticos; e dá exemplos da complexidade dos conceitos utilizados.
Eliane Boa Morte ressalta ainda que a militância do movimento negro, fundamental para implementação da lei 10.639, foi para o poder em 2003 [1] e não voltou às bases:
“Ela se profissionalizou no governo e esqueceu de fazer o seu feijão com arroz. Então a gente deixou de formar novos militantes” – diz, acrescentando que nesse vácuo surgiu a “militância acadêmica”, com outra forma de pensar e fala distante da realidade das comunidades.
Na avaliação da fundadora do Nuper, a rede municipal de Salvador possui cerca de 150 mil estudantes e oito mil profissionais, que “nem sempre estão à disposição para fazer o que é necessário”:
“Ou não conhecem, ou não querem trabalhar de acordo com o que a legislação prevê” – acrescenta.
Atualmente lotada em uma das 10 gerências regionais da Smed, Eliane diz que sente tristeza pelo fato de que os secretários municipais de educação dos últimos 18 anos “nunca tiveram a temática racial como prioridade”.
Leia abaixo a entrevista na íntegra:
Quais foram as primeiras atribuições do Nuper?
A proposta inicial do Nuper era atuar na implementação da lei 10.639, já que a comissão criada por Olívia Santana para fazer isso foi desativada quando ela saiu. A ele ficaria subordinado o Fundo Municipal para o Desenvolvimento Humano e Inclusão Educacional de Mulheres Afrodescendentes (Fiema), cujos recursos fomentariam a participação de mulheres negras nas escolas. No entanto, por um erro na elaboração da lei que o criou, o Fiema nunca teve recursos, apesar de ter organizado muitas atividades e fechado parcerias para atender as mães de alunos e as estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Essa proposta foi vetada pelo então secretário Ney Campelo.
Em 2008, o Nuper foi constituído por uma portaria. Inicialmente, faziam parte dele apenas pessoas do órgão central e do Conselho Municipal de Educação. Então, as discussões ficavam restritas a esse grupo.
Entre 2009 e 2011, fiquei à disposição da Superintendência de Políticas para Mulheres. Voltei para a Smed em 2011. No ano seguinte, assumi a coordenação do núcleo, onde permaneci até abril deste ano. Oficialmente, no entanto, não foi publicada até a data de hoje [2] nenhuma portaria me desvinculando do cargo.
Qual o motivo de sua saída?
Na minha visão, qualquer pessoa que faça a discussão da temática antirracial é do Nuper, ela não tem que estar, necessariamente, no órgão central. Eu saí do órgão central e fui para o núcleo da Gerência Regional. Em vez de atuar em cerca de 400 escolas, atuo em 40.
Em que momento o Nuper passou a desenvolver ações mais efetivas?
Em 2017, o Nuper ganhou outra estrutura [3], passando a contar com representantes em cada uma das 10 gerências regionais da secretaria. Com a descentralização, as ações passaram a ser mais efetivas. Além disso, passamos a realizar reuniões mensais, planejar ações e ampliar a atuação para as escolas quilombolas de Salvador [4].
Quais as dificuldades para implantação da educação quilombola?
Salvador tem três escolas que estão dentro de território remanescente de quilombos. Também temos as escolas de educação escolar quilombola, aquelas que recebem crianças dessas comunidades.
Embora tenhamos uma legislação municipal que reconhece essa modalidade de ensino, a gente ainda não conseguiu implementar a lei. Porque ela diz que, preferencialmente, tem que ser feita por pessoas da comunidade, que o material pedagógico e a alimentação têm que ser específicos; e o calendário escolar tem que ser diferenciado.
Um dos fatores que dificulta a implantação é que a maioria dos professores é externa à comunidade. Eles vão pra lá com a ideia de que vão ensinar o que é ser quilombola. Só que os alunos são o que são. O que precisa é valorizar o conhecimento da comunidade e isso não acontece.
Tinha uma professora que queria obrigar crianças que andavam descalças a se calçar. Eu costumo dizer que o dia em que a educação escolar quilombola for implementada de fato vai ser uma revolução na educação. Nesse momento, as pessoas vão ver que o conhecimento da comunidade é tão importante quanto o que é aprendido na universidade.
Como a temática étnico-racial é abordada nas escolas da rede municipal?
Nós, professores, fazemos muita gestão sobre essas questões. Só que de uma forma desordenada, muitas vezes equivocada, e poucas vezes registrada. Muita gente pensa que para registrar, basta fotografar. Não, é preciso descrever todo o pensamento construído para a realização de uma atividade, especificar os materiais utilizados, os objetivos a serem alcançados e o conhecimento a ser produzido.
Algumas das experiências realizadas são maravilhosas; outras, nem tanto. De qualquer forma, isso não está disponível em rede. Não está acessível para ser replicado em outras escolas e em outras localidades. A temática étnico-racial precisa ser vista de uma forma séria e prioritária. Só que as pessoas não veem assim. Então, discutem-se rendimento, reprovação, evasão, mas nunca a partir de uma perspectiva racial.
E nós sabemos que o racismo influencia nisso tudo: na autoestima, na possibilidade de a pessoa se perceber importante, de ter competência. O racismo diz que você é incapaz o tempo todo e isso impacta na formação das pessoas e na forma como os professores enxergam as crianças.
Em quais momentos uma criança desiste de continuar a estudar?
Isso é uma questão individual. No meu caso, tem duas coisas que para mim foram marcantes. Aos 12 anos me chamaram de macaca. Esse fato mudou muitas coisas na minha vida. Eu me sentia a mulher mais feia do mundo. E o que coloquei na cabeça é que eu tinha que ter alguma coisa que ninguém poderia tirar de mim: o estudo. Aí, eu enveredei por esse caminho. O estudo é fundamental para mim.
A outra coisa é o sobrenome Boa Morte. Eu sou carioca e cheguei na Bahia com 16 anos. Aqui conheci a Irmandade da Boa Morte e eu vi a importância deste nome para essa discussão sobre questões étnico-raciais do Movimento Negro. Foi o movimento que me formou, há 40 anos, como pessoa que passou a compreender o processo do racismo na sociedade.
Foi um processo gradual. Eu fui aprendendo à medida que fui vivendo. Não é isso que a lei propõe. Ela propõe que isso seja constituído a partir da chegada da criança na escola. É uma perspectiva ótima. Então vivemos dois momentos. No primeiro, as pessoas fazem a discussão. No outro, as pessoas que começam a tratar dessas questões ainda fazem desfile de beleza negra, oficinas de turbantes, como se fosse algo da temática. Parece que valorizar as pessoas é falar como elas devem se vestir. Ainda estamos na questão da estética. Estamos lutando, mas não saímos do lugar.
Para quem não conhece história fica mais fácil trabalhar desse jeito. O que é beleza negra? Vamos pegar os padrões dos blocos afros. Tem alguma pessoa com sobrepeso? Tem alguma candidata baixinha? O padrão europeu de beleza é o que é utilizado, sem levar em consideração que a África tem centenas de etnias. Essa generalização sempre me faz perguntar: “Como é que vocês vão falar de cultura afro-brasileira sem conhecer a África?”.
Quais são as principais funções do Nuper hoje?
É executar a lei 10.639. É fazer a lei acontecer. Por exemplo, nós atuamos em parceria com a ouvidoria do município. Ela nos enviou oito casos de escolas que tiveram os nomes citados em denúncias de racismo. Acompanhamos, ouvimos e emitimos parecer se denota ou não racismo. Depois fizemos formação nessas escolas.
Além dessa atuação em conjunto com a ouvidoria, o Núcleo tem a função de avaliar todos os matériais didáticos e programas referentes à temática étnico-racial para ver se há incoerências. A aprovação de compras e de autorização para realização de iniciativas depende disso.
Teve um projeto voltado para a educação financeira chamado “Sonhar e realizar”. Os responsáveis apresentaram o material que seria utilizado na escola. Nele, havia referência a cabelo afro. Perguntei à coordenadora da editora Sésamo o que era cabelo afro para ela. Aí mandei fotos de meninas merinas, a principal etnia entre as 17 existentes em Madagascar. Elas têm pele negra, olhos puxados e cabelos lisos. Nas Ilhas Salomão, localizada no Oceano Pacífico, 10% da população nativa, de pele negra, tem cabelo naturalmente louro por causa de um gene, não encontrado entre os europeus. São questões bem mais complexas do que parecem.
O que impede que a lei 10.639 avance?
No início era a falta de material apropriado para trabalhar a temática e a falta de conhecimento para aplicá-la. Em 20 anos, nós temos vários materiais. Nós temos não apenas especializações, mas mestrados e doutorados na área. Falta uma coisa, que é como aplicar tudo isso.
Esse é o problema do ponto de vista didático. Que outras dificuldades existem a partir das pessoas que deveriam desenvolver os trabalhos?
Depois de muitos anos, eu percebo que o indivíduo está dentro do problema. A dificuldade para implementação da lei também está no fato de que o professor tem que mexer com suas dores. Ele precisa se reconhecer, se valorizar. Não é algo simples. O racismo tira da gente essa autovalorização. Eu muitas vezes acho que o professor, a professora, quando chega na sala de aula, vê um espelho. E não gosta do que enxerga. Se ela não gosta de si, se ela não quer ser preta, quando ela olha o estudante preto, ela não valoriza.
Há ainda pessoas que acham que a temática étnico-racial não deve ser discutida. Professores dizem que não vão cumprir a lei porque não concordam com ela. Tem um coordenador pedagógico que fala “que isso é coisa da Eliane”, como se fosse uma vontade minha a aplicação da legislação. Ele acha mais importante discutir desempenho, como se uma coisa não estivesse ligada à outra.
Uma das principais funções do Nuper é analisar os livros utilizados em sala de aula. A maioria desse material é aprovada?
A maioria não é aprovada. Alguns livros são aprovados com muitas ressalvas. Em 2017, 2018 nós fizemos uma parceria com a Fundação Cultural Palmares, que estava distribuindo um livro para temática étnico-racial. Até hoje eu uso as fotos do livro para mostrar que as imagens, às vezes, têm um texto mais poderoso que a escrita e uma criança, um adolescente pode fazer uma interpretação contrária ao que o livro se propõe a fazer. Nós reconstruímos a publicação toda.
Tem algum outro exemplo?
Muitas pessoas se surpreendem quando eu digo que não gosto, nem utilizaria o clássico “Menina bonita com laço de fita [5]“. Abra o livro. Quem é o protagonista da história? A menina ou o coelho? O coelho é branco. Além disso, a menina só se reconhece enquanto negra porque o coelho pergunta porque ela é preta. Ela nunca procurou saber. A mãe nunca contou para ela qual foi a origem da família. Assim, vou trazendo elementos para as pessoas perceberem que não basta ter uma protagonista, uma capa com uma menina preta. Tem que entender a história. Às vezes, a gente reproduz uma história para piorar aquilo que estamos dizendo, que estamos negando. Eu cito “Menina bonita…” para mostrar que os professores não podem reproduzir o livro, eles precisam reconhecer outros textos para reconstruí-lo.
“Menina bonita com laço de fita” seria aprovado hoje pelo Nuper?
Não. Não seria porque, para que a gente possa usar o livro, tem que ter um conhecimento que leva um certo tempo. E, se eu disseminar aquele conteúdo na rede eu não vou ter esse tempo para reconstruir esse conhecimento.
Uma geração de professores, ligados ao Movimento Negro, foi fundamental para a implantação da lei. No entanto, a maioria deles já se aposentou, dando lugar a profissionais sem ligação com a militância. Qual a sua avaliação sobre isso?
Quando a esquerda assumiu o poder em 2003 [6], o que aconteceu? Essa militância foi para o governo e esqueceu de fazer aquilo que fazia, que era atuar nas bases. Deixamos de ir para as bases, de ir pra comunidade. Antes, a gente levava filme para o bairro para fazer discussão a partir dele. A gente tirava dinheiro do bolso pra fazer isso tudo. Com a chegada ao poder, a militância se profissionalizou e esqueceu de fazer o feijão com arroz. Então a gente deixou de formar novos e novas militantes na base.
A partir daí, nós construímos os militantes acadêmicos, que utilizavam citações de não ativistas para fazer a militância. A academia constrói uma outra forma de pensar, um discurso teórico distante da realidade. Estes são os ativistas de hoje.
Ainda são criadas resistências por conta de questões religiosas?
Sim, porque, na verdade, a grande dificuldade é que antes de você abrir a boca você já está errado. Então os pais, pela orientação que têm das igrejas, nem querem ouvir. Então fica difícil você começar a fazer um trabalho com pessoas que rejeitam qualquer possibilidade de escutar o outro.
Também lembro do caso de uma menina que o porteiro da escola não deixou ela entrar porque ela estava vestida de branco. Ele disse que era para ela voltar para casa porque os colegas poderiam desfazer dela por causa da roupa. Ele fez isso no sentido de protegê-la, mas não agiu de forma correta. Nesse caso, a gestora estava na escola, mas se omitiu
Eu acho que falta tato, conhecimento mínimo, para conquistar as pessoas e dizer: eu não estou falando de religião, estou falando de história, de cultura. O que você, pai e mãe, sabem sobre isso? Vamos conversar. Não adianta você fazer isso com os alunos e não dizer para os pais o que está sendo feito. Você vai criar um conflito muito grande, inclusive dentro da família.
A solução é a gente se aproximar das famílias. Semana que vem mesmo eu vou falar com os pais de alunos, duas horas durante dois dias, para mostrar o que está sendo feito e o porquê, falar de ancestralidade, da importância do mais velho. É isso que estamos resgatando. Não estamos falando de religião em si.
Eu tenho o candomblé como uma grande filosofia de vida. Enquanto filosofia, deve ser ensinada. São valores que você pode ensinar sem necessariamente botar o carimbo de orixá. Todas as religiões têm ensinamentos que precisam ser levados para a escola.
Agora, quando você reduz essa religiosidade ao nome do orixá como eu já vi em vários livros que citam os dias da semana dedicados a eles, as cores que eles usam, é uma redução incorreta. O candomblé é tão complexo. Ele foi recriado aqui de diferentes formas. Ele não tem uma correspondência na África. Só que as pessoas acham que o candomblé é africano.
Voltamos à questão da falta de conhecimentos…
Você acredita que meu mestrado tomou um rumo diferente quando eu fiz uma pergunta aos professores. Eu disse assim “Professores, o que vocês trabalham de história da África pra cumprir a lei de 1639? E a resposta foi surpreendente: candomblé e capoeira. Mudei tudo de lá pra cá. Para mim é só História da África porque eles não sabem o que é africano e o que é brasileiro.
Candomblé e capoeira não são africanos. A gente não tem esse conhecimento e vai falar do que não conhece? Melhor não falar. Então vamos falar da filosofia, de como as pessoas se relacionam. Candomblé é complexo. Tem várias nações, várias formas de cultos diferenciados na Bahia. Quando você sai do estado então é outro mundo.
O que é Ketu [7], o que é Jeje [8]? Dá pra você falar isso em uma escola? Lugar de culto não é sala de aula. Então, se eu não quero Bíblia, eu também não quero orixá. E mais: concordo e vejo a necessidade de falar sobre valores. É isso que a gente precisa ter na sala de aula. Os pais precisam entender que é um conhecimento necessário de uma população que é maioria e que temos uma lei que nos obriga – e a escola não pode se furtar – a falar sobre história da África e cultura afro-brasileira.
Quais os principais erros cometidos por desconhecimento da história da África?
Um dos maiores desserviços é a gente insistir com essa ideia de que somos descendentes de reis e rainhas. Eu pergunto quantos reis e rainhas tinham na África e se todo mundo é procedente deles? Olha, eu sou descendente de ferreiro. Os ferreiros eram considerados semideuses na África. Eles eram um grupo à parte, não viviam com as demais pessoas porque transformavam a natureza em armas, em ferramentas. Só que no Brasil não são valorizados.
Isso é o total desconhecimento de África. A gente usa as terminologias erradas para dizer que está se valorizando.
Apesar de também ser responsável pela formação de professores e professoras, o Nuper, nos últimos tempos, deixou de realizar algumas atividades. Quais foram essas iniciativas?
Muita gente me procura dizendo que o Centro de Formação em Educação para as Relações Étnico-Raciais Ananse Ntontan (Cenfran) [9] tinha que fazer novas formações O projeto piloto [10] foi inaugurado na Escola 15 de outubro, no bairro Fazenda Grande do Retiro.
A gente trabalhou muito o quesito raça-cor como questão fundamental da temática étnico-racial. Como é feita a autodeclaração nas universidades? Como foi construída essa ideia de branqueamento pelo governo brasileiro. Nós precisamos entender a construção da sociedade para a gente não ficar criticando, por exemplo, as cotas hoje.
Nas conversas que tivemos com gestoras de escolas, elas reclamaram muito do modelo de contratação de professores pelo Regime Especial de Direito Administrativo (Reda), ou seja, sem vínculo permanente e por um curto período de tempo. O que a senhora acha sobre isso?
A gente nunca consegue ter uma rede homogênea. Quando pensa que conseguiu formar o professor ou a professora, ele tem que deixar a escola. Essa descontinuidade faz parte da política interna da secretaria. Tem sempre algo que é mais prioritário a fazer e não dá sequência ao que já foi desenvolvido. Consequentemente não cria laços. Se não cria laços, não fortifica a formação e a discussão étnico-racial.
Como a senhora se sente hoje?
Minha sensação é de enxugar gelo. Eu lancei muitas formações, discuti muito a temática referente à lei 10.639. Nunca me furtei de ir em escola nenhuma para fazer reflexões com alunos, professores, com o pessoal da EJA. Disso não me arrependo. Meu único sentimento de tristeza é que os secretários que tive nesses 18 anos nunca tiveram a temática racial como prioridade
Às vezes, eu digo: “Gente, como é que se perde uma oportunidade dessa? Uma cidade onde a maioria, 84%, 86% da população é negra, eles não veem isso nem como uma política para ganhar voto. Eles poderiam estar ganhando voto e empoderando as pessoas”.
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Notas de pé de página
[1] Início do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PPT)
[2] A entrevista foi realizada no dia 15 de outubro. Interinamente, respondia pela função o professor Eduardo Santana.
[3] No atual fluxograma do Nuper, estão vinculadas a implementação das leis 10.639 e 11.645/08 (obrigatoriedade de ensino de história e cultura indígena), educação escolar quilombola, o núcleo interno do Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI), os núcleos das 10 gerências regionais da SMED, representantes do comitê quilombola e do Conselho Municipal de Comunidades Negras (CMCN). Além disso, atua em questões relacionadas com doença falciforme (doença predominante em pessoas negras, que afeta os processos de ensino e aprendizagem), racismo ambiental, matrícula, alimentação escolar, materiais pedagógicos e legislação.
[4] Ilhas de Maré, Frades e Bom Jesus dos Passos
[5] O livro foi escrito por Ana Maria Machado, jornalista e fundadora de uma das primeiras livrarias infantis do Brasil, no Rio de Janeiro. Ela é autora de mais de 40 livros e recebeu o Prêmio Hans Chistian Andersen, o mais importante da literatura infantil, no ano 2000. Sinopse do livro feita pelos editores: “Uma linda menina negra desperta a admiração de um coelho branco, que deseja ter uma filha tão pretinha quanto ela. Cada vez que ele lhe pergunta qual o segredo de sua cor, ela inventa uma história”.
[6] Primeiro ano do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
[7] Candomblé Ketu é a maior e mais popular nação dessa religião no Brasil. Sua origem remonta das tradições dos iorubás ou nagôs, segundo maior grupo étnico da Nigéria.
[8] É a nação de candomblé que cultua os voduns, ancestrais. Essas divindades complexas são originárias do Reino do Daomé, hoje Benin.
[9] Ananse Ntontan é um símbolo adrinka, conjunto de ideogramas africanos que representam conceitos ou aforismos. Ele representa uma teia, que simboliza a criatividade e a sabedoria. E foi inspirado na figura folclórica Ananse, a aranha que ensina lições de vida.
[10] Na época, Eliane considerou “transformadora” a proposta de construção de conhecimento prevista pelo Centram. O projeto, além da formação, previa a elaboração de jogos, atividades, materiais pedagógicos e artigos científicos.
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Legenda da foto principal: Eliane Boa Morte, ex-coordenadora do Nuper, tem como prioridade a discussão da temática étnico-racial. Foto: Arquivo pessoal
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A pauta desta série de reportagens foi selecionada pelo 5º Edital de Jornalismo de Educação, uma iniciativa da Jeduca e Fundação Itaú.
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Leia a série completa
PARTE I
A lei fracassou? As estratégias dos movimentos negros O protagonismo dos terreiros e dos blocos afro Yabás em movimento As yabás I - Mãe Hildelice dos Santos
PARTE II
A escola do portão verde As yabás II – Ana Célia da Silva A hora da verdade O longo e desgastante trâmite no Congresso
PARTE III
Assuntos sobre negros importam A resistência de Lázaro Formação continuada na Uneb Escola reflete filosofia africana As yabás III – Vanda Machado O projeto pedagógico Yrê Aió
PARTE IV
'Nenhum secretário teve a temática racial como prioridade' O silêncio absurdo de Thiago Remando contra a maré Pesquisa mostra a realidade brasileira Olívia e os novos desafios As yabás IV - Jacilene Nascimento
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Créditos:
Edição: Paulo Oliveira. Reportagens: Cleidiana Ramos e Paulo Oliveira. Fotos: Arquivos pessoais dos professores Lázaro Santana, Conceição Rodrigues e Vanda Machado; Cleidiana Ramos; Claudio Rodofo, Olga Leiria e Paulo Oliveira. Revisão: Kleber Leal. Vídeos: Cleidiana Ramos e Paulo Oliveira. Arte: Kleber Leal e Cleidiana Ramos.
- Author Details
Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.
Uma resposta
Considero de imenso valor social a entrvista que realizaram com a Eliane Boa Morte, trazendo o Nuper e as ações relacionadas a Lei 10.639/2003, a Educação Quilombola e Educação Escolar Quilombola.
Parabéns pela ousadia e coragem!!!