Conceição do Jacuípe: boletim expõe alunos

Linda Gomes

O Grupo Educacional Professora Laura Ribeiro Lopes, em Conceição do Jacuípe, a 90 quilômetros da capital baiana, utiliza métodos diferenciados em sua proposta disciplinar. A primeira escola da cidade a implantar o modelo de gestão compartilhada entre a PM e a secretaria de educação municipal expõe o Boletim Interno Disciplinar (BID), onde são apontadas infrações, punições, honrarias e o prontuário médico dos alunos, em um mural. Estas informações estão disponíveis a qualquer um que transite entre a entrada principal e o pátio.

Boletim da escola Laura Ribeiro Lopes identifica alunos punidos. Reprodução/Linda Gomes

O BID, com ocorrências de 1 a 30 de novembro de 2021, permanecia exposto antes do início do atual ano letivo. Através dele, sabe-se que a aluna Maria* – todos os nomes de alunos são fictícios para preservá-los – foi advertida por estar com a unha grande, por não estar com brinco no local correto da orelha e por deixar de prestar continência quando o efetivo da diretoria disciplinar passou. Ela perdeu um décimo na pontuação disciplinar. Já Eva* foi suspensa por cinco dias e perdeu três pontos por ter brigado com outra estudante no ônibus escolar. Baixo desempenho disciplinar pode provocar a exclusão dos estudantes.

Na parte sobre atestados médicos, é relatado que Ana* apresentou atestado com diagnóstico CID 10 J 11 (influenza devido a vírus não identificado) e, posteriormente, outro com CID 10 U.O 7.1, (covid confirmada por exame de laboratório). Ela ficou nove dias afastada. Outro caso é de Pedro*, que sofre de CID 10 L500 (urticária alérgica). O boletim cita o nome, o nome de guerra, série, turma, origem e data do atestado. O documento é assinado pelo diretor disciplinar.

A coordenadora-geral das escolas conveniadas, major Fabiana Guanaes, ficou espantada ao saber da prática. Segundo ela, esses dados não interessam a outras pessoas. Ela lembrou que basta consultar o Google para saber o transtorno do aluno citado.

“Isso pode gerar um trauma ou resistência ao aprendizado. Não acredito nesse tipo de disciplina” – disse, acrescentando que isto não está previsto no regulamento e será abolido, além de servir como exemplo para treinamento dos tutores.

O coronel Jorge Ricardo Albuquerque, responsável pela criação do modelo de gestão compartilhada, disse que o boletim disciplinar pode ser lido, sem citar o nome dos alunos. As informações detalhadas só devem constar no arquivo disciplinar. Em relação à questão médica, o oficial admite que não fez nenhuma previsão sobre estes fatos, pois eles servem apenas para que não sejam lançadas faltas indevidamente.

 

Boletim divulga doença dos alunos. Reprodução/Linda Gomes

No quesito espaço físico, a estrutura da escola está bem preservada. Possui área externa com árvores frutíferas, quadra poliesportiva, banheiros divididos por sexo, salas para os professores e salas para os tutores disciplinares. O desempenho dos alunos é considerado “muito satisfatório” pela diretora pedagógica Jandira Barros, que fazia parte da equipe antes da gestão compartilhada.

“Tivemos um pouco de resistência por parte de alguns alunos durante a adaptação ao sistema disciplinar, mas, graças a Deus, temos um corpo de alunos muito bom” – revela o sargento José Cruz.

 Os pais dos alunos aprovam o modelo CPM por acreditar que os filhos terão segurança e não serão aliciados por criminosos. Mas nem todos os estudantes pensam da mesma forma

“Eu acho uma escola muito organizada, mas nós poderíamos ter mais liberdade”, diz Bernardo*, aluno do sexto ano.

Isabel* ficou feliz ao concluir o nono ano porque irá para outra escola, pois o método CPM não é aplicado no ensino médio. Ela não esquece do dia que chegou com as unhas pintadas e teria sido obrigada a retirar o esmalte com o dente para poder assistir à aula.

“Os pais estão cientes das regras quando matriculam os filhos. Portanto, não há motivos para os alunos virem à escola fora do padrão estabelecido” – argumenta o sargento Ivo, um dos seis tutores do colégio.

Conceição do Jacuípe tem duas escolas de gestão compartilhada. O Grupo Educacional Laura Ribeiro Lopes e a escola municipal Sérgio Cardoso, ambas instaladas no centro da cidade. Juntas, atendem aproximadamente mil alunos do ensino fundamental II. Não há processo seletivo, mas é necessário atender alguns requisitos no ato da matrícula.

Sargentos Cruz e Ivo e Jandira Barros, diretora  pedagógica. Foto: Linda Gomes

“São poucas as vagas oferecidas para alunos que querem transferência. A secretaria de educação exige a apresentação de RG e CPF, histórico escolar, a assinatura de termos de responsabilidade e compatibilidade de idade-série e o tipo sanguíneo”, diz Gerlanda Leal, mãe de aluno.

O vereador Edinaldo Puridade da Mata, conhecido por Didi, foi um dos parlamentares que defenderam a parceria entre o município e PM, mas tinha restrições com relação à não aceitação de adolescentes com distorção idade-série.

“O veto foi mantido e a desigualdade social prevaleceu. Se de um lado temos duas escolas com equipamentos excelentes, informatização, quadras novas e climatizadas, outros colégios públicos não possuem esta estrutura. Além da exigência de idade, alunos com necessidades especiais não são aceitos. A mãe de um aluno autista me procurou para queixar-se de que tentou matricular o filho e ele não foi aceito” – conta.

Didi defende que a escola seja um espaço de inclusão, onde se conviva com diferenças.

“Precisamos democratizar esse ensino das escolas de gestão compartilhada e ampliar o acesso aos estudantes” – prega.

O vereador revelou que teve uma experiência ruim com o filho adotivo, que teve de deixar a escola Laura Lopes antes do processo de militarização porque estava atrasado. De acordo com ele, também teriam sido excluídos alunos indisciplinados. Didi manifestou ainda contrariedade por ter havido interferência política no período de matrículas:

“Sei que alguns colegas facilitaram a entrada de alunos, inclusive de escolas particulares” – denunciou.

Sala de aula do grupo escolar…
…e quadra. Fotos: Linda Gomes

Ao contrário de outras cidades, as escolas não estão localizadas em áreas de elevados índices de criminalidade, mesmo assim o vereador diz que pessoas envolvidas com atividades ilícitas pressionaram alunos de uma comunidade para que eles não frequentassem o colégio onde os tutores eram PMs da reserva.

“Uma mãe fez esta denúncia, mas não sei como está a adesão dos alunos desse bairro” – comentou Didi.

A secretária de educação de Conceição de Jacuípe, Marlene Oliveira, não quis falar sobre esses assuntos, alegando não ter autorização para dar entrevistas.

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Esta série de reportagens foi financiada pelo Edital de Jornalismo de Educação, uma iniciativa da Jeduca e do Itaú Social.

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LEIA A SÉRIE COMPLETA

PARTE I

A militarização das escolas na bahiaO avanço para o interior O exemplo goiano Diferentes escolas militares e militarizadas

PARTE II

A elitização da primeira escola militarizada A história do Colégio Maria do Carmo Mães aprovam modelo CPM, filhos nem tantoFundamental I e ensino médio na mira

PARTE III

O regulamento e a cartilha Muita fé e só uma mulher entre 466 tutores Tutor disciplinar barra aluna negra

PARTE IV

Escola troca nome de vítima da ditadura Mais unidades da PM do que infraestrutura Entre a esperança e o bafo da milícia Inquérito 1.14.001.001281

PARTE V – FINAL

Miriam Fábia: “Impacto brutal na formação dos jovens”Major Fabiana: ‘Disciplina como ferramenta para a vida’O governador emudeceuDepoimentos de ex-alunos do CPM

Linda Gomes Contributor

Linda Gomes é integrante da Rede Latino-americana de Jovens Jornalistas. Doutoranda em estudos de gênero e políticas de igualdade. Mestra em produção, edição e novas tecnologiasjornalísticas, com passagem em veículos da América Latina e da Europa.

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