Paulo Oliveira
Se a professora de matemática e atual diretora da Escola Professora Edivanda Maria Teixeira, Dayana Gomes Leite, resolver somar quantos casos de violência, envolvendo alunos, ocorreram nos 22 anos em que trabalha no colégio, eles atingirão a casa das centenas. O mais impressionante não sai da memória: um adolescente foi atingido por um tiro quando entrava na unidade. O sangue espirrou em Dayana. Os assassinos fugiram logo que o corpo caiu no chão.
O crime desencadeou uma série de problemas psicossomáticos em Dayana, que recorreu à terapia para amenizá-los. Ela não tem dúvidas em afirmar que as muitas execuções cometidas no entorno da escola refletem no desempenho de todos:
“Os crimes eram extremamente violentos. Cortavam língua, furavam olhos. Quando fecho os olhos, começo a lembrar…” – diz.
A diretora ressalta que sempre houve respeito pelos docentes. Esse foi um dos fatores que a levou a abraçar moral e profissionalmente a comunidade. O outro foi o talento de alunos e ex-alunos em diversas áreas, como música, comunicação, poesia, desenho e matemática. Aos 42 anos, ela tem esperança de que o modelo de gestão compartilhada com a PM permita que as crianças e adolescentes possam ter um futuro melhor.
Dayana reconhece que o ensino militarizado divide opiniões e que há quem acredite que o modelo pode vir a se transformar em repressão. No entanto, diz que é preciso dar uma chance à comunidade:
“Ela quis a implantação do modelo. Se a gente notar, enquanto funcionária pública, que não está dando certo, que a proposta está indo para outros caminhos, a gente se une e toma uma posição. Do mesmo jeito que aceitamos, vamos pedir melhorias e fazer os ajustes necessários” – acredita.
De acordo com a diretora, muitos professores se aposentaram durante a pandemia e foram substituídos por um grupo jovem e coeso. Hoje, 28 professores e 12 funcionários trabalham no local. A reforma no prédio também permitirá mais recursos e conforto para os estudantes. Com Dayana, pela primeira vez temos ideia dos custos da implantação do método CPM.
Antes do projeto, uma empresa foi contratada para trocar o piso do educandário, mas a obra estava mal executada e foi embargada. Com as exigências feitas pela Polícia Militar, nova licitação foi elaborada.
Dessa vez, além da troca do assoalho e da reestruturação do módulo 1, serão feitas a reforma do módulo 2, a troca das instalações elétrica e hidráulica, a pintura do colégio nas cores da PM, a construção de um novo muro e de uma sala para a equipe disciplinar, a colocação de um novo portão, de portas com janelas nas salas de aula para observação dos alunos e a reforma e anexação da quadra comunitária. O orçamento está em torno de R$ 1,5 milhão para quatro meses de obras. Durante esse período, o alunado ocupará seis salas de uma escola próxima.
No decorrer do período de transição, iniciado em março, os alunos estão utilizando as próprias roupas. Em seguida, receberão calça jeans e blusa branca, com a identificação e o fator sanguíneo de cada um. A Polícia Militar estabelece a necessidade de três modelos de uniforme para educação física, aulas comuns e atos solenes. O custo por indivíduo é de R$ 1.200. No entanto, Dayana diz que a Secretaria de Educação adquire as fardas por valores mais baixos devido à quantidade.
Além disso, há o custo dos salários da equipe disciplinar. De acordo com o ex-comandante da PM, coronel Anselmo Brandão, cada militar da reserva recebe entre R$ 3.000 e R$ 4.000, de acordo com o cargo. A escola terá pelo menos um diretor, um coordenador e quatro tutores disciplinares.
O clima, de acordo com Dayana, é de ansiedade:
“Tomara que comece logo e que traga bons frutos” – espera.
TRATAMENTO DUVIDOSO
A vice-presidente do Sindicato do Magistério Municipal Público (SIMMP) de Vitória da Conquista, Greissy Leôncio Reis, 38 anos, considera que há uma diferença muito grande entre a polícia dar apoio com a ronda escolar para garantir a integridade dos alunos e ter o regime militar dentro das escolas, interferindo na liberdade individual dos alunos, como foi observado pelo Ministério Público Federal.
Ex-coordenadora pedagógica do colégio do loteamento Jardim Valéria, ela reconhece que lá realmente tem muito aliciamento por parte de traficantes:
“Realmente não é um local seguro. Eu me lembro que, quando fui trabalhar lá, uma funcionária teve que me apresentar a algumas pessoas para que eu circulasse com mais segurança. É natural que a comunidade queira a implantação da gestão compartilhada com a PM por acreditar que o índice de criminalidade será reduzido. Mas nós sabemos que não existem respostas fáceis para este problema. Se a questão é resolver a violência no bairro, porque não monta uma base da polícia em vez de militarizar as escolas? É como se você tivesse um tumor cerebral e ficasse tomando dipirona” – compara.
A sindicalista considera que o processo de implantação do método CPM está ocorrendo de forma unilateral, pois a sociedade civil e os sindicatos não foram chamados a participar do debate. Simplesmente, segundo ela, a secretaria municipal de educação (Semed), a prefeitura e a PM resolveram tudo, sem esclarecer sozinhas. Greissy conta que a única discussão girou em torno de ser adequado ou não manter o nome da ativista social e professora Edivanda Teixeira em uma unidade de ensino militarizada. Quando o sindicato pediu esclarecimentos sobre o projeto de militarização, não foi atendido.
“O Simmp não é favorável a esse tipo de regime porque entende que o problema da violência não nasce dentro das escolas. A violência é um problema estrutural dentro da sociedade e que a solução precisa ser pensada de uma forma macro. A escola é um segmento da sociedade e por vezes reproduz nos seus espaços, situações e problemáticas que estão fora de seus muros. A escola é uma instituição que pode contribuir para a redução da violência? Sim, mas ela dentro de um sistema. Outras medidas que precisam ser tomadas” – argumenta
Embora a narrativa oficial seja de que não há interferência dos militares da área disciplinar com a parte pedagógica, o SIMMP defende que não é verdade e questiona qual o efetivo papel dos militares, senão atuar contra a liberdade individual dos alunos e da autonomia dos professores. Greysse lamenta que este processo de militarização, projetado em Goiás, tenha ganho força com o governo Bolsonaro e se espalhado pela Bahia, durante a gestão de Rui Costa (PT).
“Costa é um direitista disfarçado de esquerdista. Todas as ações dele não têm nada a ver com a ideologia do partido que ele faz parte. Ele é um aliado do Centrão” – critica.
A sindicalista acrescenta que a justificativa para esse modelo é tornar as escolas vitrines do militarismo, dizendo que ele traz a ordem.
“Ninguém é contra a disciplina. Ela é um princípio de vida para todos nós que queremos alcançar um objetivo. Mas confundir isso com militarização visa vender a ideologia de que só se obtém sucesso através do militarismo” – avalia.
Greissy também se pergunta qual o objetivo de prometer uma escola onde reinam a paz e a disciplina se o caos está instaurado fora dos muros da instituição. Esse contrassenso ocorre, segundo ela, porque as autoridades não conseguem garantir uma realidade menos violenta, nem dar oportunidades para os jovens serem inseridos no mercado de trabalho.
Nos últimos anos, Vitória da Conquista adotou um projeto conservador de poder. O antecessor do secretário de educação Edgar Larry, professor e advogado que ocupa uma vaga no conselho municipal de segurança, foi o coronel PM da reserva Esmeraldino Correia Santos.
O secretário-executivo da Fundação Conquistense Edivanda Maria Teixeira (Funcemate), Daniel Piccoli, considera complicada a participação de policiais na gestão de escolas municipais. Na prática, ele considera difícil a convivência dos alunos com militares disciplinadores.
“O dia em que uma professora fizer um trabalho sobre o golpe militar de 1964, o que os PMs irão dizer? Que não foi golpe, foi revolução? Que não houve tortura? E quando forem discutidas questões de gênero? Nós já tivemos casos onde foi relatado que a área pedagógica se sente pressionada, intimidade. Realmente estamos entrando em uma seara complicada” – analisa.
Piccoli conta que, quando abordou essa questão no Conselho Municipal de Educação, sentiu como se tivesse se chocado contra uma parede. Embora não seja educador, o dirigente da fundação se envolveu no passado com a criação da Escola do Campo, na qual o educador e filósofo Paulo Freire defendia a valorização de uma concepção pedagógica que reconhecia os conhecimentos prévios dos educandos. Ou seja, não era para o campo, mas a partir do campo.
“Se transpusermos a ação de Freire e a inspiração de Edivanda para a realidade do loteamento Jardim Valéria, veremos que isso não ocorrerá. O ideal seria pensar a educação no contexto do bairro, na sua infraestrutura, segurança, saúde e transporte. Quer dizer: a presença de um estado com políticas públicas para a população, onde ela se sinta em segurança sem precisar de uma ostentação militar, que pode vir a trazer conflitos maiores” – pontua.
Piccoli acredita que nos tempos atuais o bafo das milícias e dos milicianos está presente em muitas coisas. E torce para que a militarização das escolas se transforme em um mal.
“As sementes plantadas até agora não são sementes que, na minha opinião, vão contribuir para o sucesso de uma experiência como essa, porque não houve discussão, não houve a busca de outras soluções. Partiu-se com preconceito e com ideia preestabelecida, para o ensino militarizado como solução de problemas graves. Se isso é a base de uma política pública, estamos caminhando para algo desastroso. Considero que da árvore você vê os frutos, mas é preciso levar em conta como ela foi plantada, de qual semente ela vem e quais são as suas raízes. Onde enxergo escuta, acolhimento, reflexão e compreensão, vamos produzir um tipo de árvore. O que está baseado em visões autoritárias, onde faltam diálogo, compreensão de uma realidade harmônica e solidária, está fadado à produção de outros frutos” – diz.
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Esta série de reportagens foi financiada pelo Edital de Jornalismo de Educação, uma iniciativa da Jeduca e do Itaú Social.
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LEIA A SÉRIE COMPLETA
PARTE I
A militarização das escolas na bahiaO avanço para o interior O exemplo goiano Diferentes escolas militares e militarizadas
PARTE II
A elitização da primeira escola militarizada A história do Colégio Maria do Carmo Mães aprovam modelo CPM, filhos nem tantoFundamental I e ensino médio na mira
PARTE III
Conceição do Jacuípe: boletim expõe alunos O regulamento e a cartilha Muita fé e só uma mulher entre 466 tutores Tutor disciplinar barra aluna negra
PARTE IV
Escola troca nome de vítima da ditadura Mais unidades da PM do que infraestrutura Inquérito 1.14.001.001281
PARTE V – FINAL
Miriam Fábia: “Impacto brutal na formação dos jovens”Major Fabiana: ‘Disciplina como ferramenta para a vida’O governador emudeceuDepoimentos de ex-alunos do CPM
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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.