Paulo Oliveira
O loteamento Jardim Valéria, no bairro Jatobá, considerado uma das áreas mais violentas de Vitória da Conquista, fica a 1,2 quilômetro do Comando de Policiamento da Região Sudoeste da Bahia e a 2,2 quilômetros da 78ª Companhia Independente da Polícia Militar. Lá, está localizada a escola Professora Edivanda Maria Teixeira, cujo processo de militarização está previsto para ser concluído até o final deste semestre.
O critério principal para o colégio ter sido escolhido para ser o primeiro a implantar o sistema de gestão compartilhada entre a PM e a prefeitura na cidade foi, segundo o secretário de Educação, Edgar Larry Andrade Soares, 60, o fato de ele estar localizado em área de vulnerabilidade, com forte inserção do tráfico de drogas e da criminalidade.
Lau Eduardo Pereira, 62 anos, presidente da Associação de Moradores do Jardim Valéria, vive no local há 40 anos. Foi ele quem nos ciceroneou pela comunidade, onde moram cerca de 4.500 habitantes, metade da população do bairro Jatobá, formado por outros cinco loteamentos. Lá, a coleta de lixo é feita em carroças.
“Além disso, só temos uma linha de ônibus, com dois veículos, que nos leva para o centro em intervalo de 50 minutos ou mais; o posto de saúde não funciona como deveria e os exames são feitos em um local onde os coletivos não passam. Das 16 ruas do loteamento, só três são asfaltadas e a prefeita diz que não tem recursos para pavimentação. Não há escola de segundo grau, nem áreas de lazer” – relata o líder comunitário.
Para ter escolas, os moradores enfrentaram uma odisseia. O primeiro colégio de ensino fundamental, com classe de alfabetização, foi iniciativa da associação, que alugou uma casa, em 1995, e levou um grupo para protestar na prefeitura. A manifestação rendeu um acordo: o município cedeu três professores e os moradores bancaram a locação.
Sem condições de manter o pagamento por muito tempo, populares ocuparam um terreno da prefeitura e construíram seis salas de aula. Novas negociações foram feitas até a municipalidade concordar em designar docentes e fornecer merenda escolar. Hoje, o colégio Anísio Teixeira atende 750 alunos até a 5ª série e está passando por reformas. O primeiro prédio, antes chamado de Escola Municipal da Associação Jardim Valéria, se transformou em um anexo da nova escola. E a comunidade também ganhou uma creche com capacidade para 200 crianças.
Em 1997 o prefeito José Fernandes Pedral Sampaio (PMDB) iniciou a construção de uma escola pré-moldada em área demarcada pela associação, mas não concluiu a obra. Isto só ocorreu durante a gestão do petista Guilherme Menezes, dois anos depois. A unidade recebeu o nome de Edivanda Teixeira, escolhido durante assembleia que definiu o orçamento participativo.
A MILITARIZAÇÃO
Vitória da Conquista ganhou o primeiro colégio realmente militar no final de 2005, quando a escola estadual Eraldo Tinoco foi anexada à rede da PM. Segundo o Censo Escolar de 2021, estavam matriculados 1.234 alunos e dois deles desistiram. O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2019 avaliou que 81% dos alunos do 9º ano tinham aprendizado adequado em português e 77%, em matemática. No terceiro ano do ensino médio, o percentual era de 79% e 45%, respectivamente [1] .
Em dezembro do ano passado foi oficializada a adesão da escola municipal Carlos Santana ao Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim) do governo federal. Através do Pecim são fornecidos recursos para a contratação de militares das Forças Armadas, PM ou Corpo de Bombeiros. Eles desempenham tarefas nas áreas administrativa, didático-pedagógica e de gestão educacional.
No mesmo mês, a Escola Edivanda Maria Teixeira foi escolhida dentre as 160 unidades escolares do município – 128 escolas [2] e 32 creches – para introdução do sistema militarizado do estado, que se contrapõe ao do governo federal. Nela está em andamento a implantação da gestão compartilhada entre a PM e a secretaria municipal de educação.
O secretário Larry, advogado e professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) contou que o convênio entre as partes foi assinado no final de 2021, após o comando da polícia apresentar proposta para a prefeita Sheila Lemos de Andrade (DEM) e afiançar que o modelo produz “uma melhora substanciosa dos resultados de aprendizagem” através um método focado em rigorosa disciplina. Na apresentação, segundo o secretário, foram apresentadas informações que demonstravam a melhora do desempenho dos professores.
Depois de prefeitura apresentar uma relação de colégios que atendiam os critérios solicitados pela corporação, quatro escolas foram escolhidas para serem visitadas pelos policiais militares. A escolhida foi a unidade do Jardim Valéria.
“Após a assinatura do convênio, a gente deu início ao processo embrionário de instalação. Ele está sendo feito de maneira cuidadosa e dialogada. Também encaminhamos o processo de licitação da reforma do prédio, que deve ser concluído ainda no primeiro semestre deste ano” – disse Larry.
A primeira consequência do anúncio da implantação do método CPM foi o aumento do número de matrículas de 637, em 2021, para 779, até o dia 22 de fevereiro passado. Edgar Larry defende que a sociedade deve estar aberta a avaliar os métodos propostos, visando encontrar mecanismos para melhoria do processo educativo.
Embora creia que a tendência é que os sistemas militar e de gestão compartilhada sejam positivos, ele adverte que será preciso avaliar cautelosamente os resultados antes de adotar os métodos em outras escolas.
“É preciso deixar claro que a eventual adesão de outras unidades não significa que toda a rede será transformada em modelo militar” – explica.
O processo de seleção dos PMs da reserva que atuarão na área disciplinar da escola está em fase de conclusão. Segundo o comando da corporação, eles terão vencimentos que variam de R$ 3 mil a R$ 4 mil, dependendo da função. O salário base dos professores municipais, a partir de aumento concedido pelo governo federal, está na faixa dos R$ 3.800.
A associação de moradores do Jardim Valéria apresentou um abaixo-assinado, com cerca de 1.000 assinaturas, apoiando a iniciativa. E sugeriu ao conselho municipal de educação que seja feita uma avaliação do método nos primeiros seis meses de funcionamento.
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[1] No estado o índice de aprendizado adequado é de 24% em português e 9% em matemática, no 9º ano; e 24% e 4%, respectivamente no 3º ano do ensino médio.
[2] Setenta e seis na zona rural e 52 em área urbana.
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Esta série de reportagens foi financiada pelo Edital de Jornalismo de Educação, uma iniciativa da Jeduca e do Itaú Social.
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Leia a série completa
PARTE I
A militarização das escolas na bahia O avanço para o interior O exemplo goiano Diferentes escolas militares e militarizadas
PARTE II
A elitização da primeira escola militarizada A história do Colégio Maria do Carmo Mães aprovam modelo CPM, filhos nem tantoFundamental I e ensino médio na mira
PARTE III
Conceição do Jacuípe: boletim expõe alunos O regulamento e a cartilha Muita fé e só uma mulher entre 466 tutores Tutor disciplinar barra aluna negra
PARTE IV
Escola troca nome de vítima da ditadura Entre a esperança e o bafo da milícia Inquérito 1.14.001.001281
PARTE V – FINAL
Miriam Fábia: “Impacto brutal na formação dos jovens”Major Fabiana: ‘Disciplina como ferramenta para a vida’O governador emudeceuDepoimentos de ex-alunos do CPM
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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.