Diferentes escolas militares e militarizadas

Linda Gomes e Paulo Oliveira

O Centro de Referência em Educação Integral, iniciativa da Associação Cidade Escola Aprendiz apoiada por diversas ONGs e pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), considera que existem os seguintes modelos de escolas no Brasil: pública,  particular, militares e cívico-militares.

A pública atende cerca de 80% das crianças e adolescentes. Criada em 1932 sob os princípios da laicidade (sem preferência por nenhum tipo de religião) e da gratuidade, ela sofre com a falta de recursos que impactam na qualidade de ensino, na precariedade das instalações e nas condições oferecidas aos professores e aos alunos.

Este quadro favoreceu o avanço de escolas militarizadas no país. Da extrema-direita à centro-esquerda, independente da ideologia dos gestores, foram feitos investimentos nesse modelo, com o discurso de que era preciso reduzir a criminalidade nas escolas e melhorar a disciplina e o desempenho dos alunos, tarefas em que os professores fracassaram.

Na tentativa de definir os modelos de ensino existentes nesta vertente, Meus Sertões consultou sites e trabalhos acadêmicos, visando esclarecer as diferenças entre eles. Um dos trabalhos foi a dissertação “Militarização da Escola, um debate a ser enfrentado”, do professor Jefferson Fernando Ribeiro Cabral. Segundo o autor, o aumento do número de escolas militares na educação básica está relacionado ao crescimento do uso das forças militares de segurança pública na vida social, com objetivo de controle e de repressão.

Através do levantamento, Meus Sertões identificou sete diferentes modelos com objetivos similares:

Colégio Militar do Rio de Janeiro Foto:Divulgação

1- Escolas militares federaisVoltadas para alunos do 6º ano do ensino fundamental ao 3º ano do Ensino Médio. Estão subordinadas à Diretoria de Ensino Preparatório e Assistencial (Depa), órgão do Departamento de Educação e Cultura do Exército. Possuem autonomia para montar o próprio currículo e a estrutura pedagógica. Objetivam a formação militar, sendo que a maior parte dos alunos é formada por filhos de integrantes das Forças Armadas. Cada aluno de Colégio Militar custa cerca de três vezes mais do que os das escolas públicas.

Existem 14 colégios no Brasil (Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Brasília, Belo Horizonte, Juiz de Fora, Rio de Janeiro (1889), São Paulo (2020), Porto Alegre, Santa Maria, Curitiba e Campo Grande). No Rio também está instalada a escola da Fundação Osório, inicialmente criada para filhas órfãs de militares, em 1926. Ela foi vinculada ao comando do Ministério do Exército, em 1994. As escolas militares contam com recursos do Ministério da Educação e do Ministério da Defesa.

2- Escolas militares estaduaisA primeira unidade foi implantada em 1949, em Minas Gerais, sob administração da PM, com o nome de Colégio Tiradentes. Estava voltada prioritariamente para filhos de policiais. Bahia, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraíba, Alagoas, Ceará, Distrito Federal, Rio de Janeiro e Roraima seguiram o exemplo nas décadas seguintes.

Cruz Azul é ligada à Caixa Beneficente da PM. Foto: Divulgação

3- Escolas  privadas  São escolas mantidas por agremiações corporativas e administradas por militares da ativa ou da reserva. A primeira das 13 escolas da Cruz Azul de São Paulo foi criada em 1978. A entidade filantrópica presta serviços educacionais e hospitalares principalmente aos associados da Caixa Beneficente da Polícia Militar. A oferta vai da educação infantil ao ensino médio, com mensalidades entre R$ 870 (1º ao 5º ano regular) a R$ 1.752 (maternal integral). A disciplina é um dos pilares fundamentais.

No Paraná, a Associação da Vila Militar, que congrega PMs e bombeiros, possui sete unidades escolares. Fazem parte da entidade 20.700 sócios e 35.088 dependentes.

No Ceará, o Batalha do Riachuelo se apresenta como o primeiro e único colégio cívico-militar de Fortaleza. Ele estreou em 2020 com 1.030 alunos. Oferece ensino fundamental I em tempo integral e alimentação inclusa. A mensalidade custa R$ 2.400.

 

Bolsonaro inaugura escola do Pecim. Foto: Agência Brasil

4 – Escolas militarizadas [1] (ou cívico-militares) do governo federalO Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim) foi instituído pelo presidente Jair Bolsonaro, em 2019. A proposta previa a implantação de 216 escolas em todo o país até 2023. No entanto, até hoje apenas 74 estão inscritas do programa. O Pecim se baseia nas práticas pedagógicas e nas normas de colégios do Exército e da Polícia Militar. Oficiais e praças participam da gestão, da organização escolar e apoiam ações de atividades extraclasse, segundo o Ministério da Educação. As despesas com obras, pagamento dos militares e uniformes são divididas entre o governo federal, estados e municípios.

O foco são alunos do fundamental II e do ensino médio. O projeto reproduz boa parte do modelo das escolas militarizadas estaduais, incluindo rigor hierárquico e disciplinar. O governador da Bahia, Rui Costa, não quis participar do programa. Na prática, ele militarizou o ensino antes de Bolsonaro. Com a recusa, o presidente assinou convênio com os prefeitos de Feira de Santana e Vitória da Conquista, duas das três maiores cidades do estado.

5 – Escolas militarizadas estaduaisSegundo o Centro de Referência em Educação Integral, denominam-se escolas   militarizadas aquelas que inicialmente eram geridas pela Secretaria de Educação e, posteriormente, passaram para a gestão de uma instituição militar. Hierarquia e disciplina rigorosa estão entre os conceitos principais.

Escola que implantou a gestão compartilhada este ano, em Vitória da Conquista. Foto: Paulo Oliveira

6- Escolas militarizadas municipaisInstaladas a partir de convênios firmados entre as secretarias estaduais de segurança pública, as secretarias municipais de educação e o comando das PM ou do Corpo de Bombeiro. O primeiro estado a firmar este tipo de acordo foi o Maranhão, em 2005, transformando a Unidade Polivalente Modelo de São Luís em Colégio Militar do Corpo de Bombeiros 2 de Julho. Amazonas, Bahia e Pará fizeram o mesmo movimento. Mesmo negando ingerência na parte pedagógica, as escolas criam disciplinas como o Método Disciplinar de Ensino (MDE), equivalente a matérias como Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira (OSPB), extintas após a ditadura cívico-militar. Modelo atende alunos do Ensino Fundamental II.

Escola Militarizada Canaã. Foto: Prefeitura de Quirinópolis

7 – Escolas militarizadas municipais em parceria com ONGs e outras empresas Criadas em Goiás a partir da recusa da PM em assumir colégios públicos nas cidades do interior. Entre 2018 e 2019 foram implantados sete colégios desta modalidade pelas prefeituras, que contrataram empresas ou organizações não governamentais comandadas por policiais reformados ou pessoas ligadas a eles. O sistema atende alunos da educação infantil ao ensino médio. Crianças menores de seis anos praticam ordem unida e aprendem canções semelhantes às usadas em treinamentos físico militar.

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[1]  Na definição do educador Eduardo Junio Ferreira Santos são colégios públicos, criados por secretarias municipais de educação, que foram transformados em escolas militares por meio de diversos mecanismos de gestão e de participação de policiais ou bombeiros no cotidiano escolar. Normalmente, o comando das instituições rejeita o termo, prefere usar “gestão compartilhada”.

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Esta série de reportagens foi financiada pelo Edital de Jornalismo de Educação, uma iniciativa da Jeduca e do Itaú Social.

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LEIA A SÉRIE COMPLETA

PARTE I

A militarização das escolas na bahiaO avanço para o interior O exemplo goiano

PARTE II

A elitização da primeira escola militarizada A história do Colégio Maria do Carmo Mães aprovam modelo CPM, filhos nem tantoFundamental I e ensino médio na mira

PARTE III

Conceição do Jacuípe: boletim expõe alunos O regulamento e a cartilha Muita fé e só uma mulher entre 466 tutores Tutor disciplinar barra aluna negra

PARTE IV

Escola troca nome de vítima da ditadura Mais unidades da PM do que infraestrutura Entre a esperança e o bafo da milícia Inquérito 1.14.001.001281

PARTE V – FINAL

Miriam Fábia: “Impacto brutal na formação dos jovens”Major Fabiana: ‘Disciplina como ferramenta para a vida’O governador emudeceuDepoimentos de ex-alunos do CPM

Linda Gomes Contributor

Linda Gomes é integrante da Rede Latino-americana de Jovens Jornalistas. Doutoranda em estudos de gênero e políticas de igualdade. Mestra em produção, edição e novas tecnologiasjornalísticas, com passagem em veículos da América Latina e da Europa.

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