Tutor disciplinar barra aluna negra

Linda Gomes e Paulo Oliveira

Uma aluna do 8º ano do colégio Doutor João Paim, em São Sebastião do Passé, região metropolitana de Salvador, foi impedida de assistir às aulas por tutor disciplinar e mandada de volta para casa, sem acompanhamento e sem aviso prévio aos responsáveis. A alegação foi de que o cabelo da adolescente negra não estava de acordo com as normas de apresentação pessoal. A escola funciona no sistema compartilhado entre a Polícia Militar da Bahia e a secretaria municipal de educação.

O suposto caso de racismo está sendo investigado pela Polícia Civil e pelo Ministério Público, que instaurou procedimentos administrativos para averiguar se houve violação de direitos humanos e conduta discriminatória por parte do policial da reserva que puniu a aluna. Pretende verificar também a regularidade do funcionamento do colégio militarizado (ou cívico-militar).

Colégio Municipal Dr. João Paim. Foto: Prefeitura de Passé

“Na hora que mandaram minha filha voltar para casa, ela ainda tentou arrumar mais o cabelo. Puxou, esticou para manter o padrão liso. Mas o PM falou que não adiantava. Minha filha chegou em casa chorando muito, dizendo que não queria mais estudar no colégio. E chegou a xingar o próprio cabelo” – relatou a mãe.

Áudio reproduzido pela TV Bahia mostra a mensagem que a menina enviou para casa após ser barrada: “Fui hoje. Apertei o diabo do meu cabelo. E (ele) disse para mim voltar (sic) porque o meu cabelo estava muito folgado. (E) que eu não ia entrar no colégio”.

A mãe da estudante contou que a garota queria ser transferida para outra unidade de ensino, após se sentir humilhada. No entanto, a família decidiu que ela continuaria a frequentar o colégio Dr. João Paim.

Representantes da diretoria da escola, da secretaria municipal de educação e da PM negaram que houve racismo na atitude do tutor disciplinar. De acordo com eles, não era a primeira vez que a aluna transgredia o regulamento.

No dia 16 de março, ela teria ido à escola usando dreadlocks (tranças longas) rosa. O regulamento disciplinar não permite cores de cabelo diferentes dos naturais. Na versão da direção disciplinar, a estudante do 8º ano foi orientada por três dias seguidos sobre o penteado padrão e lhe foi dado um prazo para fazer os ajustes necessários. A família da adolescente nega que isto ocorreu, acrescentando que o modelo de apresentação pessoal só leva em consideração pessoas com cabelos lisos.

Diante da repercussão, a Polícia Militar divulgou nota informando que assinou termo de cooperação técnica com a prefeitura de Passé, em 2018, mas ressaltou que o colégio não é da corporação. Pelo acordo, existe uma direção compartilhada, na qual o diretor disciplinar é nomeado com a aprovação da PM. Ele lidera a equipe de tutores na proporção de um para cada 125 alunos.

No comunicado, a Polícia Militar disse repudiar qualquer tipo de comportamento racista ou discriminatório. Acrescentou estar à disposição da família da aluna, que foi ouvida por um oficial da unidade de policiamento do município. Geralmente, é o comandante da companhia, cujas funções englobam a supervisão do que ocorre na escola.

Regras estabelecidas na cartilha dos estudantes. Reprodução

A prefeitura informou que a escola segue o regimento padrão do ensino militar implantado em todas as escolas conveniadas no estado. As normas e regras sobre apresentação pessoal, fardamento e outros itens são comunicadas para os responsáveis e estudantes antes do ano letivo começar. O regimento disciplinar é o mesmo da sexagenária rede de colégios da Polícia Militar (CPMs).

–*–*–

Esta série de reportagens foi financiada pelo Edital de Jornalismo de Educação, uma iniciativa da Jeduca e do Itaú Social.

–*–*–

LEIA A SÉRIE COMPLETA

PARTE I

A militarização das escolas na bahiaO avanço para o interior O exemplo goiano Diferentes escolas militares e militarizadas

PARTE II

A elitização da primeira escola militarizada A história do Colégio Maria do Carmo Mães aprovam modelo CPM, filhos nem tantoFundamental I e ensino médio na mira

PARTE III

Conceição do Jacuípe: boletim expõe alunos O regulamento e a cartilha Muita fé e só uma mulher entre 466 tutores

PARTE IV

Escola troca nome de vítima da ditadura Mais unidades da PM do que infraestrutura Entre a esperança e o bafo da milícia Inquérito 1.14.001.001281

PARTE V – FINAL

Miriam Fábia: “Impacto brutal na formação dos jovens”Major Fabiana: ‘Disciplina como ferramenta para a vida’O governador emudeceuDepoimentos de ex-alunos do CPM

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

follow me
Compartilhe esta publicação:
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Email

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sites parceiros
Destaques